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SV/A - Souza Vasconcellos Advogados

Um novo anúncio da Amazon, feito durante a re:MARS Conference na última semana, deixou muita gente reflexiva. Uma futura função da Alexa, que replica a voz de pessoas falecidas, foi apresentada pelo cientista-chefe dessa inteligência artificial, ilustrada em um vídeo no qual um neto pode ouvir uma história ser contada por sua avó, já morta, por meio do dispositivo da big tech. Ainda sem previsão de lançamento para o público final, o projeto está em fase de desenvolvimento.

Essa não é a primeira vez que uma gigante da tecnologia acena para o uso da tecnologia na ressignificação da morte. Em 2021, a Microsoft registrou uma patente que estuda a possibilidade de “reencarnar” as pessoas digitalmente, por meio de chatbots. Em outro momento, Elon Musk sinalizou que um de seus desejos com o desenvolvimento de chips cerebrais na Neuralink é poder fazer o “upload da consciência” para um computador, possibilitando uma espécie de vida eterna virtual.

Por que isso é relevante para a transformação digital?

A (imo)mortalidade de dados está sendo moldada pelo conceito de tanatecnologia. 

Há mais de duas décadas, Carla Sofka introduziu o termo tanatecnologia, referindo-se a “qualquer tipo de tecnologia que possa ser usada para lidar com a morte, o morrer, o luto, a perda e a doença” (Sofka, 1997, 2018). Em 1997, Sofka descreveu a tanatecnologia como “mecanismos tecnológicos, como videodiscos interativos e programas de computador que são usados ​​para acessar informações ou auxiliar no aprendizado sobre tópicos de tanatologia” (por exemplo, Internet e World Wide Web) (Sofka, 1997).

A (imo)mortalidade de dados é um dos principais pilares e dimensões da teoria e prática da transformação digital. No entanto, esse assunto recebeu atenção inadequada, apesar da ascensão da tanatecnologia e da digitalização da morte, do luto e da perda no século 21, e das maneiras pelas quais esses novos fenômenos sociais podem e, de fato, impactam os dados, por extensão, a transformação digital no espaço público, na indústria e além. 

Olhando para as últimas décadas, a (imo)mortalidade de dados foi frequentemente discutida em um campo de pesquisa mais acadêmico, mas infelizmente, muitas vezes de maneira desconectada do impacto da mídia digital e das redes sociais e das novas fronteiras nos estudos da morte que ampliaram coletivamente o questão da (imo)mortalidade dos dados para um contexto da vida cotidiana.

A transformação digital tornou-se um termo popular e encontrou ampla aceitação em diversos setores além da engenharia, jornalismo e estudos de novas mídias, incluindo saúde planetária e pesquisa médica. A pandemia causada pelo  (COVID-19) acelerou o interesse pela transformação digital na medicina para atingir os objetivos duplos de assistência médica remota e distanciamento social.

A transformação digital é acompanhada por uma mudança em direção a uma sociedade digital, um mundo com conectividade digital onipresente generalizada e, sem dúvida, um planeta quantificado, em que objetos animados e inanimados têm cada vez mais seus gêmeos digitais e pegadas digitais. 

Por exemplo, uma grande iniciativa atual da Comissão Europeia é o Destination Earth que tem o objetivo de “desenvolver um modelo digital de altíssima precisão da Terra (um ‘digital twin’) para monitorar e prever mudanças ambientais e impacto humano para apoiar o desenvolvimento.” (Comissão Europeia, 2021).

Embora a Internet e a conectividade sem fio ainda sejam limitadas em muitas partes do mundo, não há como negar que a população planetária vem aumentando não apenas no sentido físico, mas também no âmbito digital. Agora vivemos em mundos físicos e virtuais, como cidadãos, instituições e estados-nação, e em micro, meso e macroescalas.

A era digital levanta questões sobre (imo)mortalidade de dados, que tem relevância direta para a transformação digital. Os debates sobre (i)mortalidade de dados têm sido alimentados em parte pelo surgimento de novas mídias, redes sociais e tecnologias de informação e comunicação (TICs) que servem como dados e metadados.

As pessoas agora estão aproveitando vários tipos de mídia digital e social como tanatecnologias para memorizar e sustentar as memórias e os significados das vidas vividas por suas famílias, amigos e outros na comunidade. Isso faz com que a morte digital do falecido fisicamente seja um processo prolongado e, às vezes, impossível, porque as pegadas digitais podem permanecer no espaço online por muito tempo e em formas e formatos que nem sempre são precisos.

Implicações jurídicas da eternidade virtual

Essas tecnologias que pretendem simular a vida após a morte trazem reflexos no campo jurídico e também em diversas intersecções importantes do Direito, da Filosofia, da Tecnoética, da Antropologia e da Psicologia.

Hoje, já estamos de olho em aspectos importantes sobre a proteção de dados pessoais das novas tecnologias, mas, além dessa frente, será cada vez mais importante ter o olhar do profissional jurídico no acompanhamento do design ético de produtos, antes de chegarem às mãos dos usuários finais.

Além disso, a eternidade e as big techs talvez possam dar início a uma combinação rentável, a partir da virtualização cada vez maior de todas as atividades humanas e das próprias pessoas. Nas relações econômicas da sociedade contemporânea, qualquer empresa de base tecnológica poderá tentar desenvolver novos produtos que ofereçam essa possibilidade e comercializar aos que anseiam em se perpetuar, mesmo após a morte.

São inúmeras possibilidades que, caso se realizem, trarão mudanças estruturais e sociais, das quais o Direito não poderá ficar de fora. Afinal, novos contextos trazem novas implicações jurídicas.

Analistas prevêem que os “restos digitais” de indivíduos falecidos aumentarão acentuadamente nas próximas décadas deste século. 

O que acontece com os restos digitais de pessoas quando eles deixam de existir fisicamente? 

Além disso, como os indivíduos são cada vez mais tratados como reservas de capital de dados, conceitos como o direito à não participação para impedir a exploração futura de dados, no contexto das TIC, merecem uma reflexão mais aprofundada. 

Fernando Henrique Ferreira de Souza é advogado no SV/A – Souza Vasconcellos Advogados, DPO e entusiasta de inovações no mundo do Direito e dos Negócios.

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