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SV/A - Souza Vasconcellos Advogados

As criptomoedas ou criptoativos – termo técnico mais correto, como o Bitcoin, por exemplo, nada mais são do que moedas digitai que não estão sujeitas a nenhuma regulamentação de nenhum governo ou banco central. 

As transações são feitas digitalmente, sem nenhum banco para intermediar. Na economia tradicional, analógica, quando você morre, o dinheiro da sua conta fica nas mãos do banco onde o valor estava depositado, que então será acionado judicialmente para fazer cumprir a vontade da lei e do herdeiro

Mas com os criptoativos a história é outra. 

Quando uma pessoa “tem” bitcoins em sua carteira pessoal, por exemplo, somente a chave privada daquela determinada carteira poderá autorizar a transferência de bitcoins para outras carteiras. 

Exemplo interessante noticiado no Jornal ‘O Globo‘ há aproximadamente 5 anos, diz respeito ao jovem Matthew Moody de 26 anos, que morreu num acidente de avião. Seu pai, Michael Moody, sabia que o filho minerava bitcoins, mas não tinha ideia quantos ou como encontra-los. Michael Moody passou os últimos três anos procurando respostas. 

Na verdade, nenhuma carteira de bitcoin tem qualquer valor, é apenas uma soma de outputs/inputs (com alguns outros dados) que determinado endereço na rede tem direito de transacionar se uma determinada chave privada for apresentada para assinar permissões de transmissão. 

Veja que diferente das Instituições Bancárias não existe um órgão central controlando o dinheiro de cada um. Não adianta existir a vontade da justiça, lei, ou o bater do martelo do juiz, nada disso poderá transmitir as bitcoins de uma carteira para qualquer outra pessoa. E é matematicamente impossível fazer isso, nem os computadores mais potentes da Receita Federal poderão achar a chave privada específica de um cidadão. 

No caso acima citado – de Michael Moody, a natureza descentralizada e desregulada do bitcoin significa que, sem as senhas para se conectar a carteira digital do seu filho, impossível ter acesso a qualquer recurso e sequer saber se seu filho possuía centavos ou uma fortuna. 

Dessa forma, a própria natureza dos criptoativos requer a utilização de métodos alternativos para transmissão de heranças. 

Diante do que foi dito até agora, necessário entendermos que a principal diferença entre a herança comum e uma com criptoativos não reside em questões regulatórias, mas sim em decorrência da mudança de parâmetro provocada pela desintermediação, descentralização e pela natureza de determinadas criptomoedas. 

Se por um lado essa descentralização permite às pessoas manterem consigo seus ativos criptográficos, de outro, exige novas responsabilidades. Diferentemente dos bens e ativos tradicionais cuja custódia é delegada para terceiro – uma instituição financeira, por exemplo –, ao adquirirmos criptoativos, somos nós os responsáveis pela sua custódia. 

E para manter nossos criptoativos em segurança, precisamos manter nossa própria chave privada – o que nos permite assinar nossas transações com criptoativos – e guardar um código (uma frase secreta que nos permitirá recuperar nossas chaves privadas, caso tenhamos algum problema). 

Atualmente não há nenhuma legislação regulamentadora sobre o tema no Brasil, apenas tramita o projeto de Lei 4.099/2012, o qual aguarda apreciação pelo Senado Federal, com o intuito de alterar o artigo 1.788 do Código Civil de 2002, para que seja garantido aos herdeiros a transmissão de dados de todos os conteúdos de arquivos digitais. 

Nesse passo, a origem de quase todos os problemas que envolvem a herança de criptoativos está em como transferir a chave privada aos herdeiros com segurança. 

Assim, o que se recomenda é que pessoas que possuam criptoativos, planejem como se dará a sucessão do seu patrimônio digital, visando garantir que seus herdeiros – filhos, cônjuges, pais, tenham acesso e possam usufruir do patrimônio. 

SOLUÇÕES PARCIAIS PARA TRANSMISSÃO DA HERANÇ

Há dois lados no planejamento da transmissão de herança de criptoativos:  

1- o plano de acesso técnico (acesso a chaves, seeds, senhas); 

2 – a estratégia jurídica (legislação, jurisdição, quem recebe o quê). 

Boa parte dos advogados não têm ideia do que é uma chave privada e, sem acesso a chaves, senhas e outros controles de acesso, os planos de distribuição legal são inúteis. 

Ultrapassados os pontos acima, considerando-se ajustado o plano técnico e elaborada a estratégia jurídica, as opções para transmissão da herança podem tomas os seguintes contornos: 

1) O primeiro seria aquele onde não se exige a entrega de suas chaves a terceiros. Há maneiras de planejar o acesso a seus criptoativos por seus herdeiros no futuro, sem que eles tenham acesso imediato. É importante evitar qualquer solução que exija que você confie em um terceiro, inclusive software projetado por desenvolvedores. 

Nessa hipótese poderia ser utilizada carteira com multi assinaturas, onde que para se transmitir a herança, haveria a distribuição de multi assinaturas (multi-sig wallet) entre os herdeiros e uma última em um testamento cerrado. Assim somente após a morte seria possível juntar todas as assinaturas (herdeiros e legatários beneficiados no testamento cerrado) e propiciar a transmissão dos bens de acordo com a vontade do testador. 

2) A segunda opção seria aquela que torna os criptoativos acessíveis aos herdeiros somente quando eles adquirirem seu direito, e não antes.

Aqui a solução mais básica seria deixar os criptoativos em uma ledger wallet (dispositivo que mantém a segurança das suas chaves privadas de forma autônoma, com alto nível de segurança e offline – sem a necessidade de se conectar a uma rede ou se manter exposto a um computador), por exemplo, dentro de um cofre, juntamente com a senha, ou deixar a senha declarada num testamento cerrado e apenas a wallet física guardada em um cofre, que herdeiros e legatários só teriam acesso após o falecimento do testador. 

3) E como última opção, a estratégia de não usar smart contracts (ferramenta tecnológica que permite a criação de contratos autoexecutáveis, que não podem ser perdidos, nem adulterados), inteligência artificial, ou qualquer tipo de oráculo digital (provedores de informação externa para blockchains). Parece tentador que um proprietário de criptoativos possa usar um software para transferir automaticamente suas criptos para seus herdeiros após a morte, sem a intervenção de um tribunal ou de qualquer outro terceiro. Um testamento por contrato inteligente. Seria ótimo, não? Seria, e se isso fosse possível hoje. A verdade, contudo, é que esse tipo de solução não é uma solução: é um gerador de problemas. 

Primeiro, porque a maioria dos projetos de smart contracts  e oráculos digitais  em geral são construídos por engenheiros de software bem-intencionados, que nunca lidaram com herança relacionada à perda de um ente querido. 

Segundo, porque a tecnologia ainda está muito imatura. Em 2016, vimos o smart contract The DAO drenar milhões de dólares por causa de um erro de codificação. No seu auge, esse contrato inteligente controlava a quantia de mais de Us$ 150 milhões de dólares. 

Fernando Henrique Ferreira de Souza é advogado no SV/A – Souza Vasconcellos Advogados, DPO e entusiasta de inovações no mundo dos negócios e do direito. 

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